Transporte Urbano
Já faz mais de
meio século que ficamos privados do convívio dos bondes elétricos em Curitiba e
quase isto na maioria das cidades brasileiras, porem sua memória ainda se faz
presente, pois ainda usamos corriqueiramente muitas expressões surgidas naquela
época e que dispensam interpretação, como: andar na linha, perder o bonde,
pegar o bonde andando, tomar o bonde errado, tocar o bonde, etc, e outras não
tão evidentes, como almofadinha (sujeito que carregava uma almofada para
servi-lo nos bancos de madeira dos bondes) e trombada (palavra que teria
surgido após um elefante fugitivo de circo colidir de frente com um bonde em
plena São Paulo, perdendo os sentidos e danificando o veículo).
Os “Tramways”
(que aqui foram batizados de bondes) puxados por muares (mulas), começaram a
operar em Nova York (Harlem) em 1832 e logo se espalharam por outras cidades
norte-americanas e européias (Paris, Londres, etc) e ganharam o mundo. O Brasil
foi o país com a primeira cidade da América do Sul a contar com este tipo de
transporte e a primeira linha inaugurada foi na capital (Rio de Janeiro) em
1859, linha da Tijuca. Os bondes viabilizaram a expansão das zonas urbanas
dotando as periferias de um sistema de transporte coletivo digno, facilitando a
descentralização das moradias.
Há algumas
versões para explicar a origem da palavra “bonde” e a mais aceita é função de
que as primeiras empresas a operarem no Brasil vendiam bilhetes de passagens
por conveniência de troco e escassez de moedas de pequeno valor na época e
estes cupons eram chamados de “bond” (em inglês significa título de
dívida). Há uma versão curiosa que associa o termo ao empresário norte
americano proprietário de bondes a vapor em Belém/PA (1868), que se chamava
James Bond.
Machado de Assis
Os trechos abaixo foram extraídos de suas crônicas em
momentos marcantes da história dos bondes.
1877 – Bonde Santa Teresa puxado a burro: “E esse interessante quadrúpede
olhava para o bond com um olhar cheio de saudade e humilhação. Talvez
rememorava a queda lenta do burro, expelido de toda a parte pelo vapor, como o
vapor o há de ser pelo balão, e o balão pela eletricidade, a eletricidade por
uma força nova, que levará de vez este grande trem do mundo ate à estação
terminal.”
1892 – Bonde Elétrico: “O que me impressionou, antes da eletricidade, foi o gesto do
cocheiro. Os olhos do homem passavam por cima da gente que ia no meu bond, com
um grande ar de superioridade. (...) Sentia-se nele a convicção de que
inventara, não só o bond elétrico, mas a própria eletricidade.”
Em 12/08/1879
foi promulgada a lei Provincial número 555 estabelecendo concorrência para a
concessão de serviço de linhas de bondes de tração animal na capital
paranaense. Em 27/07/1881 a concessão foi obtida por Olimpio Rodrigues Antunes,
mas não foi exercida. Em 1883 uma nova concessão foi outorgada, agora aos
seguintes proprietários: João Tobias Pinto Rebelo, José Pinto Rebelo e Joaquim
Antonio de Loyola. A legalidade desta nova concessão foi contestada, porem em
1887 acabou sendo vendida para a Empresa Curitibana, sociedade cotizada
por ações cujo incorporador foi Boaventura Fernandes Clapp, que também passou a
gerenciar a empresa, e inaugurou o sistema no mesmo ano (08/11/1887). As
primeiras linhas (1) partiam da
Estação Ferroviária (Praça Eufrásio Correia) em direção ao Batel (linha Batel)
e a região onde hoje se localiza o Passeio Público (Linha Fontana). Clapp se
manteve na direção do empreendimento até 1888.
Em 1890 a
Empresa Curitibana passou a ser denominada Companhia Ferro Carril Curitibana
e em 27/08/1895 foi
vendida para a Amazonas & Cia, de Amazonas de Araújo Marcondes. Em
1898 foi arrendada por Santiago M. Colle e em 1907 Colle iniciou procedimentos
para eletrificar as linhas, mas o investimento necessário era muito elevado.
Em 1910, Eduard Fontane de Laveleye, investidor francês, adquiriu a empresa de
Colle e logo em seguida (20/01/1910) a vendeu para a empresa franco-inglesa criada pelo próprio Laveleye, South Brazilian Railways.
A South adquiriu também a empresa de distribuição de energia elétrica
local que era de propriedade de Hauer&Cia.
Em 1911 foi dado início à construção da infra-estrutura
elétrica necessária para a operação de bondes elétricos. Este trabalho foi
contratado pela South junto à empresa suíça Brow Boveri e
paralelamente foi feita uma encomenda de 29 bondes ao fabricante belga Ateliers Mètalurgiques de Nivelles. Os bondes foram
montados na Praça Ouvidor Pardinho e em 1912 foram realizados os primeiros testes. A primeira linha
eletrificada foi oficialmente inaugurada em 07 de janeiro de 1913 e nesta mesma
época começaram a surgir os automóveis na cidade.
Em 1924 o serviço foi assumido pelo município e em 1928 a concessão de energia elétrica e bondes de
Curitiba passaram para a Cia Força e Luz do Paraná (CFLP), da empresa
americana AMFORP (subsidiária da Electric Bond
& Share Corporation), e nesta mesma década os ônibus
começaram a concorrer neste mercado. Em 1931 foram importados 20 bondes de
segunda mão “Birney” (2) dos
Estados Unidos, que operavam em Boston e em 1937, outras 10 unidades deste
mesmo tipo foram retirados da frota de Porto Alegre e trazidos para Curitiba. Alem dos Nivelles e Birney’s, circulava por Curitiba um terceiro modelo
de carroceria, de fabricação local, assentado sobre o chassi dos importados (3).
Em 1945 a CFLP
vendeu a sua participação na empresa de bondes para a Cia Curitibana de Transportes
Coletivos (CCTC). Em 1950
a CCTC iniciou o processo de extinção das linhas de bondes. Com a falta de investimentos em expansão e modernização o sistema foi
gradativamente sendo substituído pelos ônibus. Em 1952 o ciclo dos bondes foi encerrado na cidade
com a desativação da última linha (Portão), quando os ônibus a óleo diesel
passaram a dominar o transporte urbano.
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1-Era a época do ciclo da erva-mate no Paraná, que era exportada para a Argentina e Uruguai, e as primeiras linhas foram traçadas ligando o novo terminal ferroviário (que ligava a capital a Paranaguá) com os vários Engenhos de Mate que se concentravam no bairro Batel e nas cercanias do Passeio Público (inaugurado em 1886), como o Engenho Tibagi (de propriedade de Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul) que ficava no Batel e o Engenho Fontana (de propriedade do Comendador Francisco Fasce Fontana, imigrante Italiano) que ficava próximo ao Passeio Público (Fontana foi o primeiro administrador do parque). Estas linhas saiam da ferroviária na Rua Sete de Setembro (Praça Eufrásio Correia) e se dirigiam pela Rua Barão do Rio Branco (recém construída) ao centro da cidade onde se dividiam em duas, sendo que a primeira continuava pela Rua XV de Novembro e Rua Comendador Araújo na direção do Batel e a segunda passava pela Rua Riachuelo e Avenida João Gualberto até o Engenho Fontana (origem da empresa do Chá Mate Real). O Barão do Serro Azul e outros ervateiros foram acionistas da Empresa Curitibana de Boaventura Fernandes Clapp. Os trajetos destas primeiras linhas ligavam a nova Estação Ferroviária aos centros industriais, que na ocasião eram os engenhos de erva-mate e em seu percurso passavam pelas áreas comerciais das Ruas XV e Riachuelo, incluindo o Mercado (Praça Generoso Marques). Na seqüência seriam construídos Hotéis defrontes a Estação (Praça Eufrásio Correia).
1-Era a época do ciclo da erva-mate no Paraná, que era exportada para a Argentina e Uruguai, e as primeiras linhas foram traçadas ligando o novo terminal ferroviário (que ligava a capital a Paranaguá) com os vários Engenhos de Mate que se concentravam no bairro Batel e nas cercanias do Passeio Público (inaugurado em 1886), como o Engenho Tibagi (de propriedade de Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul) que ficava no Batel e o Engenho Fontana (de propriedade do Comendador Francisco Fasce Fontana, imigrante Italiano) que ficava próximo ao Passeio Público (Fontana foi o primeiro administrador do parque). Estas linhas saiam da ferroviária na Rua Sete de Setembro (Praça Eufrásio Correia) e se dirigiam pela Rua Barão do Rio Branco (recém construída) ao centro da cidade onde se dividiam em duas, sendo que a primeira continuava pela Rua XV de Novembro e Rua Comendador Araújo na direção do Batel e a segunda passava pela Rua Riachuelo e Avenida João Gualberto até o Engenho Fontana (origem da empresa do Chá Mate Real). O Barão do Serro Azul e outros ervateiros foram acionistas da Empresa Curitibana de Boaventura Fernandes Clapp. Os trajetos destas primeiras linhas ligavam a nova Estação Ferroviária aos centros industriais, que na ocasião eram os engenhos de erva-mate e em seu percurso passavam pelas áreas comerciais das Ruas XV e Riachuelo, incluindo o Mercado (Praça Generoso Marques). Na seqüência seriam construídos Hotéis defrontes a Estação (Praça Eufrásio Correia).
2- Modelo
fabricado nos EUA no início da década de 1920 pela J.G. Brill, com
bitola de 1 metro.
3-O “bondinho”
estacionado na Rua XV foi importado da cidade de Santos para exposição e,
portanto não fez parte da frota de bondes que transitaram por Curitiba.
Bondes em Santos
Em 2009 a cidade
de Santos comemorou o centenário dos bondes elétricos na cidade. Operaram de
1909 a 1971, quando foram desativados. Em 2000 voltaram a circular em linha
turística. O sistema vem sendo ampliado desde então com o aproveitamento de
veículos antigos doados de outros locais do Brasil e de outras cidades do
mundo. A cidade do Porto, Portugal doou três unidades e Turim, Itália outras
duas. Percorrendo quarenta pontos históricos da cidade, a linha turística conta
com 5 km de trilhos. Outras cidades
como, São Paulo, Campinas, Campos do Jordão, Rio de Janeiro e Belém possuem
linhas de bondes turísticas.
Os bondes puxados por mulas
circularam por mais de 25 anos e os elétricos outros 40 anos em Curitiba e
chega a ser surpreendente que tão pouco tenha restado deste período, quase nada
tenha sobrado para exposição pública e são raros as documentações e relatos
históricos dedicados a esta pioneira e importante fase do transporte urbano da
cidade, considerada modelo neste quesito no Brasil. Quando os bondes elétricos
substituíram os de tração animal, estes foram levados para operarem em
Paranaguá. Dos bondes elétricos belgas não restou nenhum (provavelmente viraram
sucata) e dos bondes “Birney” apenas a carroceria de uma unidade foi conservada
pela família Slavieiro que o mantinha na oficina de sua concessionária Ford e
esta carcaça foi doada para a prefeitura de Curitiba em 1990. Esta rara unidade
foi restaurada e ficou exposta na Praça Tiradentes, em frente a catedral, de
1999 a 2003. Depois disto foi removida para um depósito da prefeitura, segundo
consta, para evitar vandalismo.
Em 2010, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
(IPPUC) anunciou um plano para a construção de uma linha turística de bondes
elétricos no centro histórico da cidade. Trata-se de um projeto de resgate da
memória dos transportes urbanos para os moradores, atração para as pessoas que
visitam Curitiba e fomento para o turismo local, amparado no sucesso dos ônibus
de dois andares que aqui circulam pelos diversos pontos turísticos da cidade
(monumentos e parques) e em experiência semelhante e bem sucedida implantada na
cidade de Santos (com bondes restaurados).
Há intenção de que o bonde “Birney” sobrevivente seja mais bem
restaurado e recolocado em atividade nesta linha, e se assim for esta relíquia
voltará a transitar novamente pela cidade.
O trajeto
planejado de 3,4 quilômetros no centro da cidade foi previsto para ser
percorrido por dois bondes com um intervalo de uma hora entre eles partindo da
Praça Eufrásio Correia, percorrendo as Ruas Barão do Rio Branco e Riachuelo, o
Passeio Público, retornando pela rua XV até a Rua Barão do Rio Branco.
Projeto do
IPPUC para uma linha de bondes de turismo: