Protagonistas - Digressão


A leitura da histórica científica deve levar em conta pelo menos dois aspectos: contexto evolutivo da descoberta (Evolução Científica) e fidelidade dos acontecimentos (Fatos e Versões). O contexto nos permite identificar o nível de importância da descoberta e a avaliação dos personagens depende da fidelidade da narrativa dos acontecimentos:

Evolução Científica


O avanço cientifico se processa basicamente de duas formas. O mais comum são as contribuições sucessivas que implicam em evolução de uma teoria ou dispositivo já conhecido. A segunda forma é mais rara, pois são fruto de idéias revolucionárias, totalmente inovadoras, que rompem ou se chocam com o que até então se aceitava como verdade. Enquanto na primeira o desenvolvimento acontece passo a passo, a segunda permite verdadeiro salto evolutivo. É comum que cientistas trabalhando numa mesma linha de desenvolvimento cheguem ao mesmo tempo a resultados idênticos e isto gera atritos de “paternidade” de descoberta. A fama normalmente recai apenas para aquele que dá o último passo e os demais, que tem méritos relevantes, acabam por serem condenados ao anonimato e a história está repleta de exemplos deste tipo. Idéias revolucionárias, entretanto, exigem um tal nível de abstração que é quase impossível duas pessoas teorizarem algo idêntico ao mesmo tempo e de forma independente, e para estes casos a atribuição de mérito não cabe contestação. Neste caso muitas vezes é difícil até convencer a comunidade a aceitar algo que vai muito além ou até contradiz o conhecimento até então consolidado e seus formuladores freqüentemente são desacreditados numa fase inicial, pois precisam provar que estão certos e isto nem sempre é trivial, chegando a ser até impossível dependendo do estágio tecnológico disponível na ocasião.

Finalmente, vale lembrar da lei de (Stephen) Stigler, segundo a qual “Nenhuma descoberta científica leva o nome de seu descobridor original”. Para exemplificar, Stigler afirma que foi Robert K. Merton quem primeiro observou esta lei, ou seja, a lei de Stigler se aplica a própria lei de Stigler.


Fatos & Versões


Algumas vezes é difícil comprovar a veracidade de alguns fatos, pois há versões diferentes para os acontecimentos, muito provavelmente devido a interpretações pessoais dos autores. Alem disto, histórias recontadas seqüencialmente acabam distorcidas ao longo do tempo, o que pode gerar contradições e até lendas e mitos. Alem da produção científica, a história contempla também fatos pitorescos, contestações de teorias, embates pessoais e paternidade de idéias que são objeto de interesse especial por revelarem muito da personalidade dos protagonistas, bem como tornar a história mais excitante aos leitores. Por exemplo: 

Fatos Pitorescos


-Há várias versões para a ocasião do acionamento remoto da iluminação do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Há citações informando que Marconi emitiu o sinal a partir de Nápoles, Gênova e até Roma. Hoje a versão mais aceita (e provavelmente verdadeira) é que o sinal remoto não funcionou e o acionamento foi manual no próprio local;
-A experiência de Benjamin Franklin com um papagaio é motivo de dúvidas quanto a sua veracidade, apesar de que o próprio Franklin se referiu em sua autobiografia a uma experiência “com um papagaio de papel”, porem sem mais detalhes;
-As histórias envolvendo Tesla abrangem tantas versões pitorescas e inverossímeis que é até difícil separar os fatos verdadeiros de sua biografia.

Contestação de Teoria


-A teoria do “fluido único” de Benjamin Franklin foi contestada inicialmente pelo Abade Nollet, que custou a acreditar que um americano desconhecido do meio acadêmico tivesse concebido uma idéia que ia contra a sua própria teoria;
-A contestação da teoria de Galvani sobre a “eletricidade animal” levou Volta a desenvolver a pilha, pedra fundamental da eletricidade dinâmica.

Embates Pessoais 


-Faraday versus Davy e Tesla versus Edison são alguns exemplos de célebres brigas que acabaram por serem levados a níveis pessoais, o que revela rivalidades extremas, motivadas tanto por interesses comerciais como vaidades infladas por disputas de idéias científicas.

Paternidade de Idéias 


-Marconi ou Tesla inventou o rádio? Edison ou os irmãos Lumière inventaram o cinema? Bell ou Meucci inventou o Telefone?, etc, etc... Cada cabeça uma sentença!

Portanto, não deve causar surpresa relatos de versões diferentes e até antagônicas para um mesmo acontecimento e a probabilidade de que a verdade esteja mais próxima da versão menos interessante é alta. Daí muitos preferirem versões a fatos. Porém é curioso observar que em sua maioria há grande fidelidade nas biografias dos cientistas deste período, pois era costume na época manter diários pessoais e este material sobreviveu. Alem disto, a comunicação na época era feita através de cartas e estas correspondências em grande parte foram preservadas, tanto as de caráter pessoal com seus familiares como as de caráter profissional entre pesquisadores, o que rendeu aos historiadores farto conteúdo de fonte confiável e não é raro o aparecimento de documentos inéditos deste tipo ainda hoje. Há casos em que há tantos documentos que permanecem ainda sendo analisados e, portanto, a história pode ser recontada no futuro com novidades de momento desconhecidas. Eventualmente alguns cientistas menos escrupulosos acabam usurpando idéias alheias ou omitindo co-autores e chegam até receberem prêmios e outras homenagens de grande importância no mundo científico e nestes casos o trabalho dos historiadores tem importância de significado ainda maior, pois cabe a eles agirem como autênticos magistrados para mostrarem e provarem como aconteceram os fatos. Há muitos exemplos no passado recente de revisões históricas importantes que resultaram inclusive em reparação de méritos em favor de alguns personagens até então anônimos.