Artigo publicado na Primeira Edição da Revista “O Cruzeiro”
10 de
novembro de 1928
Hoje, para muitos, é difícil imaginar como era
viver em 1928, imagine então fazer previsões para dali a 72 anos. Entretanto,
comparando sua visão com o que a história registrou, suas previsões ficaram
muito próximas dos fatos acontecidos, como pode ser constatado pela leitura de
seu artigo.
Hoje, para muitos, é difícil imaginar como era
viver em 1928, imagine então fazer previsões para dali a 72 anos. Entretanto,
comparando sua visão com o que a história registrou, suas previsões ficaram
muito próximas dos fatos acontecidos, como pode ser constatado pela leitura de
seu artigo.
A Éra das Forças Hydraulicas
Anno 2000.
A população do Brasil attingiu 200 milhões de pessoas
(1) a precisarem de energia para as suas multiplas
actividades: compreende-se como essa necessidade levou ao aproveitamento das
forças hydraulicas. Lentamente, medrosamente, a principio, essa utilização de
energia se foi, depois, aos poucos accelerando. No anno 2000 já estão longe os
tempos em que ainda se importavam carvão e petroleo! Esses recursos primitivos,
condemnados pelo progresso da technica, foram desapparecendo, passando a
constituir apenas uma recordação historica. (2)
Os 50 milhões de cavallos-vapor de energia
hydro-electrica, utilizados no Brasil, no anno 2000 (3),
equivalendo ao trabalho mecanico de 600 milhões de homens, a população
brasileira, do ponto de vista energetico, é então computavel em 800 milhões.
Nessas condições, não admira que sejam enfrentados e convenientemente
resolvidos os problemas da producção (4). As questões nacionaes são,
então, estudadas por gente competente, tendo acabado, ha muito, a influencia
dos politicos profissionaes (5). A Natureza, dia a dia dominada,
é cada vez mais perfeitamente aproveitada. A luta do homem para o progresso
passou a ser travada especialmente nos laboratorios de pesquisa. Ahi é que
perscrutam, pacientemente, os segredos da Natureza, e dahi é que saem os
processos, cada vez mais aperfeiçoados, de dominio da energia cosmica. Como
estamos longe dos tempos em que nem havia Universidade no Brasil, a não ser
umas instituições de fachada, formadas por escolas exclusivamente para ensino
profissional, e onde a pesquisa scientifica não se podia fazer!
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1-População recenseada em 2000 =
171 milhões
2-O esgotamento dos combustíveis
fósseis é sempre lembrado, porem continuam mais presentes do que nunca e com
significativa participação na matriz energética. Ou seja, todos os analistas
até hoje cometeram o mesmo erro. Um dia alguém certamente acertará
3-50 MCV = 36.775 MW. Em 2000 a
demanda de energia elétrica no Brasil foi de 40.000 MW médios
4-Não contou o Professor com os
entraves ambientais que estão dificultando a expansão hidroelétrica
5-Certamente este comentário não
passava de um desejo utópico do Professor
Todas as actividades industriaes foram avassaladas
pela energia electrica. São as industrias electro-chimicas, num desdobramento
maravilhoso; é a electro-metallurgia; é, ainda, a energia para tudo. As
distancias desappareceram, por assim dizer, desde que se resolveu o problema de
irradiação da energia. (6)
Lembram-se todos como começou a ser resolvida essa
questão. Foi, a principio, a radio-telephonia, logo seguida da
radio-photographia. Pouco depois, irradiava-se energia pra fins industriaes, e
os motores electricos com energia irradiada se installaram em todos os
vehiculos: bondes, trens, automoveis, aeroplanos, navios; e em todas as
fabricas; e em todos os logares onde a energia se faz precisa. O problema da
distribuição da energia passou, desde então, a ser uma questão definitivamente
resolvida.
Transformara-se, com isso, a vida, que Nietzsche
affirmou ser, essencialmente, uma aspiração á maior somma de poder, numa
vontade que permanece, intima e profunda, em todo ser vivo. A luta pela
existencia, pelo poder, pela preponderancia, com a nova forma de distribuição
de energia passara a ser uma luta pela posse da energia electrica. A
importancia dos povos se alterara, sendo regida a sua classificação pelo valor
das reservas em forças hydraulicas.
É assim que o 1° lugar passara a ser da Africa, com
os seus 190 milhões de cavallos-vapor hydro-electricos. Em 2° logar vinha a
Asia, com 71 milhões. A America do Norte, com 62 milhões, ficara em 3° logar, e
a America do Sul em 4° logar, com 60 milhoes de cavallos-vapor
hydro-electricos, dos quase 50 cabendo ao Brasil. A Europa, com 45 milhões de
cavallos, ficara tendo atrás de si unicamente a Oceania, com 17 milhões.
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6-Ainda não chegamos neste nível
de tecnologia, apesar de haver estudos experimentais neste sentido. Entretanto,
ao final do século XIX e início do XX o engenheiro, físico e inventor Nikola
Tesla trabalhou exaustivamente neste propósito, que se tornou obsessão para ele
Cabia agora o dominio aos povos que dispunham de
maior somma de energia hydro-electrica. Passara o tempo do imperialismo do
carvão e do petroleo, e chegara a era da energia electrica. Os 445 milhões de
cavallos-vapor, em que se orçara a energia total das forças hydraulicas da
Terra, passaram a regular decisivamente a importancia relativa das 5 partes do
mundo.
Ainda ha, no anno 2000, philosophos a indagarem se o
progresso existe, affirmando que o que interessa não é poder ser enviado o
pensamento á volta da terra, em alguns segundos, mas sim saber se esse
pensamento é melhor, mais profundamente humano, mais justo. A vida, em todo
caso, mudou completamente. Melhor? Peor? - É difficil sabe-lo. Mas,
seguramente, é differente.
É a era da electricidade.
A differença entre a vida de então e a dos anteriores
é alguma coisa como a differença hoje existente entre a vida das grandes
cidades e a do campo. O ambiente é outro. Outra é a organização da vida. Cada
vez o homem se afasta mais da Natureza. Primeiro, liberta-se do dia e da noite.
A luz artifical permitte-lhe a vida nocturna absolutamente igual á do dia; a
luz solar não é mais reguladora dos habitos quotidianos. A vida em grandes
aglomerações vae, aos poucos, deixando em todos os habitos a sua marca. As
facilidades augmentam para tudo e os multiplos actos da vida se vão, lentamente
mas constantemente, adaptando á nova ordem das coisas. O tempo se distribue de
outro modo, e os affazeres são outros. Outros são, tambem, os divertimentos.
Insensivelmente, as differenças se vão accentuando.
As viagens e os proprios passeios diminuiram muito,
desde que, sem sair de casa, pode-se ver o que ha em qualquer parte da Terra: a
televisão (7), juntada á telephonia,
modificou radicalmente os habitos.
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7-O
engenheiro escocês John Logie Baird foi o pioneiro em transmissões de televisão entre 1924
e 1925, porem com tecnologia ainda pouco desenvolvida. O engenheiro russo
Vladimir Zworykin patenteou o iconoscópio em 1924, que marcou o desenvolvimento
da televisão como a conhecemos. Portanto em 1928 a televisão ainda engatinhava.
No Brasil a televisão só teve início em 1950 (TV Tupi de São Paulo)
Não ha necessidade de sair para fazer compras: vê-se,
escolhe-se, encommenda-se tudo pelo telephone-televisor automatico. Não ha mais necessidade de viajar, para ver
terras longinquas: é só ligar o receptor, e visita-se, commodamente, qualquer
museu, ou qualquer paiz (8). Sómente os objectos devem ser
transportados.
Na era da electricidade o rei dos metaes é o
aluminio, retirado das argilas pela energia electrica. O aluminio supplantou,
com as suas ligas, o ferro, pesado demais e facilmente oxydavel, e ainda
substitui o papel, tão facilmente deterioravel. De aluminio são os livros. É em
folhas de aluminio que se escreve.
A era da electricidade se caracteriza,
essencialmente, pelo emprego da electricidade em todas as formas de energia.
Energia luminosa: tudo se iluminna electricamente. Energia chimica: tudo deriva
da electricidade. Energia thermica: tudo se aquece ou se resfria pela
electricidade. Energia mecanica: tudo se movimenta pela electricidade.
Servindo para tudo, a energia electrica passa a ser a
nova moeda. O ouro e as suas representações são formas obsoletas de medir
valores. A moeda, no anno 2000, é, tambem, a energia electrica. Pagam-se as
compras em kilowatts. Paga-se o trabalho em kilowatts. (9)
A revolução trazida é principalmente nos habitos.
Continúa a haver desigualdades sociaes. Ha ricos, possuidores de milhões de
killowatts-horas, remediados, que têm alguns milhares de unidades de energia; e
pobres, que dispõem apenas de algumas unidades. É verdade que não ha mais fome,
desde a adopção do trabalho obrigatorio minimo, nas usinas distribuidoras de
energia. Mas as questões sociaes continuam.
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8-Fazemos hoje tudo isto pela Internet
utilizando um computador, uma conexão telefônica e um monitor (televisão)
9-De
certa forma, em ambientes de comercialização livre, a energia elétrica pode ser
considerada uma mercadoria
Muitos pretendem estender o dominio da actividade
industrial do Estado. Parece-lhes insufficiente o monopolio governamental das
usinas geradoras e distribuidoras de energia. Começou a questão a proposito da
regularização do clima. Uma vez reservada para o Estado a faculdade de provocar
as chuvas pela energia irradiada ás nuvens, determinando-lhes a condensação,
pareceu a muitos que se deveriam ampliar ainda mais as horas de trabalho
obrigatorio minimo, servir-se-ia melhor a colectividade minima do trabalho. Só
haveria vantagens nisso.
Objectam, porém, alguns ser o caso das usinas de
energia, evidentemente, especial. Da mesma forma, o da distribuição das chuvas,
vantajosamente affecto ás autoridades, para beneficio geral. A Repartição das
Chuvas, dispondo de todo o serviço official de estatistica, e em connexão com
os demais repartições do Ministerio da Agricultura, é uma organização que se
resolveu dever ser do Estado. Ampliar, porém, ainda mais os serviços
governamentaes, numa socialização progressiva de todas as actividades, não
merece as sympathias de um grupo numeroso (10). Já todos os homens e todas as
mulheres, maiores de 18 annos, são obrigados a um serviço diario de 2 horas.
Breve serão 3 horas. Onde se irá para nesse caminho? Invocam-se contra as
idéias de socialização os velhos principios da liberdade individual. A questão
está, assim, longe de ser resolvida .
. . . .Sonho?
- Sim. Mas o sonho de hoje poderá ser, amanhã, realidade. Sabe-se lá até onde
nos levará a evolução que hoje se processa tão acceleradamente? Como será a
vida no anno 2000? (11)
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10-Será que o Professor adivinhou o avanço dos partidos de centro-esquerda?
11-Sabemos hoje como esta história se desenvolveu, porem é difícil para muitos imaginar como era realmente viver em 1928. As previsões do Professor, entretanto, demonstram que ele tinha uma visão muito próxima do que estava por acontecer.
Ferdinando Labouriau (1882/1928)
Em 3 de dezembro de 1928 seis notáveis acadêmicos brasileiros
embarcaram em um hidroavião no Rio de Janeiro para sobrevoar o navio em que
Santos Dumont regressava ao Brasil, como forma de recepção e homenagem ao
grande inventor. Aconteceu então um trágico acidente com a queda do avião na
baía de Guanabara que resultou na morte dos seis. Ferdinando Labouriau estava
entre as vítimas.