Mudando o Cotidiano - Radiodifusão


O desenvolvimento de novas tecnologias sempre causa pânico nos investidores que vêem seus negócios subitamente ameaçados por avanços mais eficientes. Foi assim quando o telefone ameaçou os negócios estabelecidos de telegrafia e posteriormente o medo ressurgiu com as experiências de transmissão por ondas eletromagnéticas (sem fio). Porem, apesar de todas as resistências e pressões contrárias as novas tecnologias acabam se impondo. A tecnologia de transmissão e recepção de sinais por ondas de rádio, na época chamada de telegrafia sem fio, não fugiu também da disputa de crédito pela invenção.  As teorias fundamentais de ondas eletromagnéticas, entretanto, foram sintetizadas por Maxwell e comprovadas na prática por Hertz.

Guglielmo Marconi (físico italiano), Nikola Tesla (engenheiro e físico naturalizado americano) e o padre e inventor brasileiro Roberto Landell de Moura (1) são citados como supostos inventores do rádio e a controvérsia talvez seja eterna. Tesla foi reconhecido pela Suprema Corte Americana em 1943 como tendo patenteado a invenção antes de Marconi, porem quem mais se dedicou e consolidou esta tecnologia foi Marconi, daí seu nome permanecer com os créditos desta invenção.

Foi em 1895 que Marconi teve êxito numa transmissão de rádio na Itália, ainda pouco desenvolvida, no entanto ele registrou uma patente. Em 1896, agora na Inglaterra realizou uma transmissão de alguns quilômetros de distância e em 1901 a primeira transmissão transoceânica, entre a Inglaterra e o Canadá. Logo equipamentos de rádio se disseminaram e trouxe grandes benefícios, notadamente nas comunicações marítimas (navios), tendo propiciado o salvamento de muitas vidas em situações de naufrágios. A radiodifusão comercial, entretanto, só teve início a partir de 1920.
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1-Landell realizou experiências de transmissão e recepção de voz no Brasil e patenteou o transmissor de ondas, o telégrafo sem fio e o telefone sem fio nos EUA.  

A centelha, o coesor e a pipa

Segundo informações da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), em 2011 ocorreram 315 acidentes fatais em redes, sendo quatro destes envolvendo pipas. Apesar do evidente perigo que representa e das campanhas de esclarecimentos, é muito evidente que continuarão ocorrendo mortes por imprudência deste tipo, pois basta olhar para as redes para constatar a quantidade de pedaços de pipas enroscadas nos fios e postes.

Aliás, a imprudência no uso de pipas não é de hoje, e mesmo antes da existência de redes de distribuição. Todos conhecem a história de Benjamim Franklin. Conta-se que em 1752, para comprovar a característica elétrica das descargas atmosféricas, Franklin teria improvisado uma pipa para funcionar como um pára-raio. Amarrou uma ponta metálica na mesma e esta ao fio condutor que terminava em uma chave de ferro próxima ao solo e entre ele e a chave uma tira de pano (isolante). Durante uma tempestade, ajudado por seu filho, teria empinado a pipa junto às nuvens carregadas. Quando aproximou a chave de uma garrafa de Leyden (1) verificou faíscas. Por sorte, não morreu.

Menos conhecida, porém não menos importante e também envolvendo risco considerável foi a experiência com pipa protagonizada por Guglielmo Marconi. Esta história começou em 1887 com a divulgação do brilhante trabalho de Heinrich Hertz, que para comprovar a existência da propagação das ondas eletromagnéticas propostas por James Clerk Maxwell e a exatidão de suas equações construiu um dispositivo que se tornou o primeiro a transmitir e detectar sinal sem fio.

O aparelho transmissor construído por Hertz era alimentado por uma bateria ligada a uma bobina para produzir uma tensão elevada e esta a um dispositivo que produzia uma centelha (2) quando um interruptor era fechado.

O receptor, a pequena distância, nada mais era que um aro de metal aberto, com uma pequena distância nesta abertura, suficiente para gerar uma pequena centelha ao ser atingido pela onda eletromagnética gerada pela centelha do aparelho transmissor. Estava descoberta a telegrafia sem fio.

Posteriormente, Èdouard Branley descobriu uma propriedade de fundamental importância no desenvolvimento da transmissão de sinais a longa distância. Limalhas de metal colocadas dentro de tubos de vidro ligado a eletrodos nos terminais quando submetidas à presença de ondas eletromagnéticas geradas por centelhas se aglutinavam entre si, como se fossem soldadas, e se tornavam condutoras. Este dispositivo, batizado de coesor, apresentava, entretanto, um grande inconveniente, pois os grânulos da limalha só se soltavam novamente mediante um procedimento mecânico, uma leve batida no tubo. Este problema só foi definitivamente resolvido mais tarde, com o uso dos primeiros dispositivos eletrônicos (válvulas termiônicas). O coesor foi então por muito tempo utilizado para a detecção de sinais gerados por mecanismos que utilizavam o mesmo princípio do dispositivo arquitetado por Hertz. A diferença estava apenas na introdução de uma antena ligada num dos pólos do centelhador e um aterramento no outro pólo, que somado a bateria de maior potência constituíam transmissores de onda de maior alcance.

Os sinais eram gerados e transmitidos utilizando-se o código Morse, ou seja, uma seqüência pré-determinada de pontos e traços para identificar letras e números, e poderiam ser detectados por qualquer operador de qualquer estação receptora.

Vários pesquisadores participaram de uma corrida para o desenvolvimento da telegrafia sem fio, posteriormente batizado de rádio e depois popularizado pela radiodifusão, mas nenhum deles foi mais persistente e audacioso que Marconi. Contaram ao seu favor a ajuda familiar na constituição de sua empresa, mas mesmo assim assumiu grandes riscos visando seu objetivo de transmitir sinais a locais cada vez mais distantes. A maior aventura foi seu plano na busca da primazia da transmissão de sinal para lados opostos do Atlântico, da Europa para a América.                      

Para tanto, não mediu esforços nem recursos financeiros. Construiu duas gigantescas estações de transmissão e recepção, sendo uma na Inglaterra (Poldhu-Cornualha) e outra nos EUA (Wellfleet-Massachusetts). Para seu azar, antes que fossem colocadas em funcionamento, ambas foram destruídas por tempestades naturais.

A primeira atingida foi a de Poldhu, porem Marconi não desanimou e logo tornou a reconstruí-la, contudo, de forma mais simplificada. Entretanto, logo em seguida a estação de Wellfleet também foi ao chão e aí Marconi resolveu apostar numa alternativa menos convencional e mais econômica para realizar a experiência.

Observou que em território Canadense havia um lugar situado na ilha de Terra Nova (St. John’s) que era mais próximo da Inglaterra que a estação de Wellfleet. Ou seja, era um ponto muito mais favorável para receber um sinal partindo do outro lado do Atlântico. Resolveu então primeiramente apostar neste local, para depois se voltar novamente para a estação de Wellfleet.

Foi assim que em 1901 Marconi viajou para Terra Nova, levando em sua bagagem um balão e uma pipa, pois ambos eram opções para suportar uma antena em altitude suficiente para testar a recepção dos sinais que seriam gerados em Poldhu. A primeira tentativa foi com o balão, porém as condições climáticas do local eram muito severas, principalmente com fortes ventos e, portanto, demasiadamente adversas ao uso do balão.

Voltou-se então para o uso da pipa. Não foi nada fácil, as variações foram inúmeras e os riscos assumidos imensos, mas após exaustivas tentativas finalmente o primeiro sinal detectado depois de cruzar o oceano foi ouvido pelo próprio Marconi (3). Não menos difícil foi depois convencer a comunidade científica da realização do notável feito (4).

Era o início das comunicações instantâneas, hoje tão banalizas que é até difícil imaginar como algo tão singelo como a propagação da onda eletromagnética gerada por uma simples centelha e captada por uma antena suportada por uma pipa tenha tido uma importância tão grande na história.    
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1-Garrafa de Leyden era o dispositivo conhecido na época para armazenamento de eletricidade estática. É o precursor do capacitor.
2-Semelhante ao sistema automotivo (bobina + platinado + velas) utilizado para produção de faísca.
3-Os sinais gerados em Poldhu eram transmitidos em intervalos curtos e repetidos. Constituíam apenas do código Morse para a letra S (três pontos).
4-A história das experiências de Marconi é contada no fascinante livro “Fulminado por um raio”, de Erik Larson (Ed. Recod, 2007)

A irritação de Marconi
A transmissão de sinais sem fio a longa distância era considerada impraticável pelos cientistas. A curvatura da terra era razão suficiente para provar que os sinais não teriam a capacidade de atingir locais mais distantes. Marconi, entretanto, era um autodidata que nunca se deixou levar por este raciocínio, porem também não soube explicar porquê conseguiu ir tão longe.
Aliás, o que mais o irritava era a intermitência com que os sinais eram recebidos e a constatação experimental que havia mais sucesso na recepção a noite que de dia.
Só mais tarde ficou provado que a camada de Ionosfera funciona ora como refletora (à noite) e ora como refratora (de dia) das ondas, em função da influência da radiação solar nesta parte ionizada da atmosfera.                                  

O prestígio de Marconi
A notoriedade e influência de Marconi na Itália era tão grande, que ele conseguiu a anulação de seu primeiro casamento junto a igreja católica, decorridos 18 anos de matrimônio e quatro filhos. 

Brasil 


Roberto Landell de Moura (1861/1928) foi padre e inventor, natural de Porto Alegre (RS) que desenvolveu importantes pesquisas no campo das telecomunicações no final do século XIX e início do XX. A partir de 1893 (2) realizou experiências de transmissão e recepção de voz por ondas de rádio a distâncias de vários quilômetros, tendo obtido êxito. Já naquela época previu que se poderia também estabelecer transmissões através de feixes luminosos. Registrou a patente do rádio no Brasil (1901) e posteriormente nos Estados Unidos, para onde se deslocou em 1901 e lá permaneceu até 1904, onde obteve três patentes: transmissor de ondas, telégrafo sem fio e telefone sem fio. No entanto na época o seu trabalho não recebeu o devido crédito das autoridades brasileiras para seus projetos de desenvolvimento e sem apoio financeiro suas idéias não tiveram continuidade e acabaram sendo esquecidas.
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2-Marconi teve êxito em transmissão de sinais na Itália em 1895, portanto as experiências do Pe Landell precedem esta data e eram mais sofisticadas, pois se tratavam de transmissão de sons.

Marconi e o Brasil
Em 1931 foi inaugurada a estátua do Cristo Redentor (Corcovado) no Rio de Janeiro, com a presença de Getúlio Vargas, e estava combinado por iniciativa de Assis Chateubriand que o acionamento da iluminação seria feito remotamente direto da Europa por Guglielmo Marconi através de um sinal de rádio acionado de seu iate “Elettra”. Consta, entretanto, que a transmissão do sinal não funcionou devido ao mau tempo e a iluminação foi ligada por acionamento local. Posteriormente, em 1935 Marconi visitou o Brasil onde recebeu homenagens e inaugurou a Rádio Tupi.


Ossos do ofício
Pe Landell pagou o preço de estar à frente de seu tempo, por intolerância por um lado e ignorância por outro. Primeiro, seu laboratório e equipamentos foram alvo de vandalismo praticado por pessoas que entendiam que suas experiências eram sobrenaturais. Posteriormente, solicitou ajuda da marinha para testar equipamentos de transmissão e recepção em alto mar. Questionado a que distância os navios deveriam estar dispostos respondeu que o mais longe possível e quanto mais longe melhor, pois seus equipamentos seriam capazes de transmitir mensagens a qualquer distância. Esta afirmação funcionou ao contrário do que seria sua intenção, pois seu interlocutor avaliou que estava diante de um louco e o seu pedido foi negado. 

Paraná


Em 1924 foi inaugurada a Rádio Clube Paranaense em Curitiba, terceira rádio a operar no Brasil, considerando apenas as rádios que se mantiveram no ar até hoje (a primeira foi a Rádio Clube de Pernambuco em 1919 e a segunda a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro em 1923). Foi constituída por iniciativa de figuras Curitibanas ilustres, tendo como destaque Francisco Fido Fontana (diretor Presidente) e Livio Gomes Moreira (Diretor Técnico), chefe do Departamento de Correios e Telégrafos de Curitiba que era radioamador (desde 1909 operava uma estação radioamadora), inventor e pesquisador das novas tecnologias de comunicação.

Dirigível Hindenburg
Quando o zepelim alemão Hindenburg passou pela cidade de Curitiba em 1936, o governador Manoel Ribas usou os equipamentos da Rádio Clube Paranaense para enviar mensagem à tripulação. Em 1937 este dirigível se incendiou ao pousar em Nova Jersey (EUA), o que precipitou o fim deste meio de transporte.

A primeira transmissão partiu da casa de Moreira e foi sintonizada na casa de Fontana que residia na “Mansão das Rosas”, situada no início da Avenida João Gualberto. De início a manutenção da Rádio Clube foi assumida pelos seus fundadores, ou seja, não havia retorno comercial. Somente a partir de 1946 surgiram outras rádios em Curitiba, como a Radio Marumbi e Radio Guairaca.

Locução esportiva
A primeira transmissão de uma partida de futebol no Paraná foi realizada em 1934 pela Rádio Clube Paranaense a partir do estádio Joaquim Américo do jogo Atlético e Coritiba (resultado de 1 x 1). Segundo consta estendeu-se um fio ligando a “cabine” (plataforma de madeira) de transmissão até a sede da rádio que na época era no Belvédère do Alto São Francisco. O prefixo PRB-2 foi recebido em 1935.