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Hidrelétricas & Eclusas


A construção tardia das eclusas da Usina de Tucuruí permite a navegabilidade aos rios da bacia Araguaia-Tocantins. Antes tarde do que nunca! Este tipo de empreendimento é a solução para viabilizar o transporte fluvial de várias bacias hidrográficas pelo país, principalmente nas regiões com maiores dificuldades de penetração de rodovias e ferrovias. Dados recentes mostram que no Brasil o transporte por água participa com apenas 14% do volume, perdendo para as rodovias (60%) e ferrovias (20%). Alem de dotar regiões isoladas de meio de transporte para alavancar seu desenvolvimento a disseminação de eclusas tem grande potencial para baixar o custo dos fretes de regiões já desenvolvidas, mas atendidas apenas pelos meios de transporte terrestre. Raras no Brasil, a tecnologia de eclusas e outras para transposição de desníveis de hidrovias são utilizadas em larga escala no resto do mundo, onde muitos tipos de solução foram adotados. Alem de eclusas convencionais (tipo canal do Panamá) há: eclusas elevadoras, em plano inclinado, rotatórias, cruzamento de hidrovias, eclusas de mão dupla, canal em túnel, etc.

Exemplo mais recente do pouco interesse oficial em priorizar este tipo de solução são as obras das usinas do rio Madeira, no estado de Rondônia: Jirau (3.450MW) e Santo Antônio (3.150MW). Como aconteceu na Usina de Tucuruí, estão sendo construídas sem as desejadas eclusas associadas, apesar de terem sido consideradas nos estudos. Não é de hoje que a região do rio Madeira se recente de um meio de transporte mais apropriado a sua geografia. Vale lembrar que desde a negociação do conflito do Acre entre Brasil e Bolívia, o Tratado de Petrópolis (1903) assegurava uma rota para a Bolívia poder exportar seus produtos por via marítima. Esta foi a principal razão da construção da famosa Ferrovia Madeira-Mamoré. A primeira tentativa de se construir esta estrada de ferro resultou em grande fracasso (1), porem posteriormente o grande investidor norte-americano Percival Farquhar (2) obteve sucesso em sua conclusão, iniciando a obra em 1907 e inaugurando em 1912. Com 366km ligava as cidades de Guajará-Mirim/Puerto Sucre (fronteira Brasil/Bolívia) nas margens do rio Mamoré com Porto Velho (cidade praticamente fundada por Farquhar), nas margens do rio Madeira. Este era o trecho não navegável do complexo Madeira-Mamoré, devido às corredeiras do rio e que agora serão aproveitadas para construir as duas grandes usinas. De Porto Velho até a junção com o Rio Amazonas (Itacoatiara, a jusante de Manaus) o Madeira era navegável e, portanto, deste ponto em diante os produtos seguiam por navio. Como o declínio do ciclo da borracha coincidiu praticamente com o início da operação da ferrovia, aos poucos ela acabou se inviabilizando e finalmente sendo desativada em 1972. Para prover a região de um meio de transporte foi então construída uma rodovia ligando Porto Velho a Guajará-Mirim.

Farquhar e o Contestado
A concessão da ferrovia São Paulo-Rio Grande abrangia a propriedade de 15km de cada lado da estrada, motivo pelo qual despertou o interesse de Percival Farquhar, que acabou adquirindo esta concessão de terceiros e construindo a estrada de ferro ao sul de União da Vitória (PR). A partir de 1910, com a conclusão do trecho catarinense, Farquhar passou a exercer este direito através de sua empresa Southern Brazil Lumber & Colonization Company. Os historiadores atribuem ao repentino desemprego dos operários da obra com a sua conclusão e a colonização das terras às margens da ferrovia, como uma das causas da “Guerra do Contestado” (1912/1916), conflito caboclo que misturava líderes religiosos, crenças messiânicas, miséria, desemprego, etc, e que acabou por redefinir os limites de fronteiras entre os estados de Paraná e Santa Catarina. A madeireira da Lumber, que se situava no município de Três Barras (SC) foi incendiada pelos fanáticos.

Apesar de estarem previstas nos anteprojetos de Jirau e Santo Antonio, as eclusas foram desvinculadas das construções das usinas (deixadas para depois). Perde-se então a oportunidade, delonga-se o atraso e aumentam-se os custos, caso futuramente se decida pela construção.

Jirau (120km a montante de Porto Velho) e Santo Antonio (6km a montante de Porto Velho) foram projetadas para funcionar a fio d’água, com turbinas tipo “bulbo” para não necessitarem de reservatórios de grande volume e conseqüentemente provocarão o mínimo impacto ambiental possível devido a alagamentos, mas bastarão para regularizarem a vazão do rio de forma a permitir a navegação neste trecho. Sem eclusas, entretanto, será impossível.

Tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei do Senado (3009/1997) obrigando a inclusão de eclusas junto às barragens de rios navegáveis. Portanto esta discussão já se prolonga a  quase duas décadas sem que se tenha chegado a um acordo entre as partes (setor elétrico, meio ambiente, agências reguladoras, etc) para a aprovação de uma legislação que favoreça o desenvolvimento de grandes hidrovias. Discutem-se o ônus do investimento, da manutenção, responsabilidades, etc.

Sabe-se lá por quanto tempo ainda esta discussão vai se alongar, e enquanto isto a sociedade continuará a arcar com custos mais elevados, pois é sabido que obras vinculadas são muito mais econômicas que obras realizadas individualmente.

As eclusas de Tucuruí demonstraram isto, porem a construção da Usina de Belo Monte (11.000 MW) segue neste mesmo caminho.
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1-Na década de 1870, D.Pedro II concedeu ao norte-americano George Earl Church uma concessão para construção de uma ferrovia até a Bolívia. A construção, porém, fracassou e as obras foram abandonadas.
2-Percival Farquhar (1864/1953): Norte americano da Pensilvânia, começou sua carreira de investidor em grandes empreendimentos com a eletrificação de bondes e construção de ferrovias em Cuba, logo depois da guerra hispano-americana. Posteriormente construiu uma ferrovia na Guatemala e em seguida voltou-se para empreendimentos de grande importância no Brasil. Fundou a Light Rio, a Light Bahia, a holding Brazil Railway, construiu os portos de Belém e Rio Grande, as ferrovias Madeira-Mamoré e São Paulo-Rio Grande, alem de diversos outros empreendimentos em variadas atividades (madeira, papel, gado, terras, etc). Seus investimentos se distribuíam também por muitos outros países do planeta. A Acesita foi a última empresa brasileira idealizada e fundada por Farquhar. Fonte: “Farquhar – O último Titã” – Autor: Charles A. Gauld – 2006 – Editora de Cultura.